Livros escritos por autores no auge de suas doenças mentais
Faz parte da piada definirmos todos os escritores como loucos por si só, simplesmente por escolherem uma profissão com tanto investimento pessoal, mas com tão pouco reconhecimento ou retorno financeiro. Mas a situação não soa tão engraçada se considerarmos que muitos escritores consagrados realmente sofreram de graves transtornos mentais, como depressão, psicose, e outras chagas mais complexas.
É sabido que alguém que luta pela sua saúde mental, enfrenta naturalmente um enorme desafio na vida, o que torna ainda mais notável quando um escritor nesse estado consegue produzir uma obra duradoura da literatura, enquanto enfrentava os seus próprios demônios internos. Por mais incrível que pareça, esse é o caso dos livros listados abaixo, escritos justamente durante o auge da doença mental de seus autores.
✔ O Verão Perigoso (Ernest Hemingway)

Nessa época Hemingway era a sombra do homem que costumava ser, atribuindo a sua vida a escrever um manuscrito de 130.000 palavras, sendo incapaz de editá-lo para algo ‘publicável’. Pouco depois o autor ficou visivelmente deprimido ficando dias na cama. Alguns meses mais tarde Hemingway se matou.
Esta obra é a crônica da impactante temporada que se desenvolveu nas arenas espanholas naquele ano, inflamada pela rivalidade quase mítica de dois matadores, Antonio Ordoñez e Luiz Miguel Dominguín, dois cunhados, ambos equiparados em habilidade e carisma.
Com uma descrição precisa da ‘dança da morte’, Hemingway revela as emoções e os pensamentos dos dois maiores matadores da época, tendo como pano de fundo as grandes paisagens da Espanha. (Editora Bertrand)
✔ Eu estou vivo e vocês estão mortos – A Vida de Philip K. Dick (Philip K. Dick)

Cheio de escrita afiada, tangentes filosóficas e especulações científicas, ‘Eu estou vivo e vocês estão mortos’ é fascinante, mas certamente escrito por um homem que tinha a mente em luta com a sua sanidade.
Um dos maiores escritores do século 20, Philip K. Dick nunca deixou de suspeitar do mundo à sua volta, sempre ocupado em investigar o limite – tênue, às vezes – entre a realidade e a ilusão. Homem de muitas facetas, sempre se fez uma pergunta fundamental, que o acompanharia em todos os momentos da vida, desde seus tempos de aspirante a escritor até mais tarde, como autor já publicado, passando pelo Dick paranoico, pelo viciado em anfetaminas e pelo cristão fanático: o que é real? (Editora Aleph)
✔ Esta Valsa É Minha (Zelda Fitzgerald)

Escrito em um hospital psiquiátrico em apenas seis semanas, Esta valsa é minha é, ao mesmo tempo, um texto autobiográfico, um relato de época e um irrecusável convite para penetrar um universo feminino, alegre e sensível, mas também pleno de desilusões.
Num texto denso, Zelda reordena suas ideias através da personagem Alabama Knight: fala da infância à sombra de um pai austero, dos namoros e da adolescência no sul dos Estados Unidos, no período entreguerras, da vida com um artista na era do jazz, do sonho de se tornar uma bailarina profissional, das viagens à Europa, das festas e do álcool.
Imagens inusitadas e a visão de um vazio cortante pontuam a narrativa de Zelda, uma mulher fascinante que, a exemplo de seu alter ego Alabama Knight, jamais se conformou em ser apenas mulher de Francis. Enquanto ele trabalhava em Suave é a noite – que muitos críticos consideram sua obra-prima -, Zelda preparava sua própria versão da história. (Editora Companhia das Letras)
✔ A Redoma de Vidro (Sylvia Plath)

Lançado semanas antes da morte da poeta, o livro é repleto de referências autobiográficas. A narrativa é inspirada nos acontecimentos do verão de 1952, quando Silvia Plath tentou o suicídio e foi internada em uma clínica psiquiátrica. A obra foi publicada na Inglaterra sob o pseudônimo Victoria Lucas, para preservar as pessoas que inspiraram seus personagens.
Assim como a protagonista, a autora foi uma estudante com um histórico exemplar que sofreu uma grave depressão. Muitas questões de Esther retratam as preocupações de uma geração pré-revolução sexual, em que as mulheres ainda precisavam escolher se priorizavam a profissão ou a família, mas A redoma de vidro segue atual. Além da elegância da prosa de Plath, o livro extrai sua força da forma corajosa como trata a doença mental.
Sutilmente, a autora apresenta ao leitor o ponto de vista de quem vivencia o colapso. Esther tem uma visão muito crítica, às vezes ácida, da sociedade e de si mesma, mas aos poucos a indiferença se instaura, distanciando a moça do mundo à sua volta. “Me sentia muito calma e muito vazia, do jeito que o olho de um tornado deve se sentir, movendo-se pacatamente em meio ao turbilhão que o rodeia”.
Ao lidar com sua depressão, Esther também realiza a transição de menina para uma jovem mulher. Mais que um relato sobre problemas mentais, A redoma de vidro é uma narrativa singular acerca das dores do amadurecimento (Editora Biblioteca Azul).
✔ Graça Infinita (David Foster Wallace)

Graça Infinita foi o último grande romance do século XX e, como o Ulysses de James Joyce, teve um impacto duradouro e ainda difícil de ser aferido. Ora cômico, ora doloroso, ele encapsulou uma geração ligada à ironia e ao entretenimento, mas desconectada da imaginação, da solidariedade e da empatia.
No romance, seguimos os passos dos irmãos Hal, Orin e Mario Incandenza – membros da família mais disfuncional da literatura contemporânea, conforme tentam dar conta do legado do patriarca James Incandenza, um cientista de óptica que se tornou cineasta e cometeu suicídio depois de produzir um misterioso filme que, pela alta voltagem de entretenimento, levava seus espectadores à inanição e à morte.
Enquanto organizações governamentais e terroristas querem usar o filme como arma de guerra, os Incandenza vão se embrenhar numa cômica e filosófica busca pelo sentido da vida. Graça infinita dobra todas as regras da ficção sem jamais sacrificar seu próprio valor de entretenimento. É uma exuberante e original investigação do que nos torna humanos e um desses raros livros que renovam a ideia do que um romance pode ser. (Editora Companhia das Letras)
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